Alta Books é uma das maiores e mais prestigiadas editoras do Brasil, sempre com livros na lista de mais vendidos. Por isso, nosso repórter especial, Gabriel Mendes, encontrou-se com o CEO do grupo, Gorki Starlin, para uma conversa franca sobre a carreira de escritor e o mercado de livros no país.
Panorama da Escrita: Gorki, gostaria de saber qual o principal conselho você daria para um escritor que quer publicar pela Alta Books?
Gorki Starlin: O principal conselho é verificar qual o público específico o escritor quer atingir. Se esse público existe. Muitas vezes os autores têm suas ideias, mas elas não são entendidas pelo mercado. É preciso entender as tendências, se há um público específico que queira ler a sua obra e pagar por ela de algum modo. Caso o escritor seja focado em conteúdo didático, paradidático, ele necessita estar antenado com o tipo de conteúdo que os programas de aquisição de livros dos governos querem comprar.
Panorama da Escrita: Estudar muito o mercado?
Gorki Starlin: Isso. Basicamente, é estudar muito o mercado, se existe um público específico, porque o seu resultado depende do tamanho do público e, de certo modo, da quantidade de competidores que abordam um determinado assunto. Recebemos muitos materiais que são excelentes, mas, geralmente, assuntos muito comuns, ou seja, existe muita coisa publicada sobre o tema. Se sobressair num ambiente extremamente iluminado é difícil. O conselho é buscar o seu nicho, o que você já conhece, no que você se sente confortável e ajustar sua expectativa de retorno baseada nesses itens: tamanho do mercado e competição. É isso.
Panorama da Escrita: Você acha que o escritor precisa ser um parceiro comercial da editora?
Gorki Starlin: Sim e não, isso depende muito do livro em si. Por exemplo, muitas obras de hoje são direcionadas para os governos. Se o autor é influente com os professores, por si só, a existência dele já o faz um parceiro economicamente interessante para a editora. Agora, no mercado de livrarias, um conteúdo inédito, com ideias provocadoras pode destacar um autor. Mesmo que ele faça pouco em termos de mídia social, simplesmente, porque o conteúdo dele é extremamente diferente, surpreendente para quem adquire a obra. É um processo que pode demorar meses ou até anos, para o autor alcançar o merecido posto daquela obra.
Panorama da Escrita: Como você enxerga o mercado de livros nos últimos anos?
Gorki Starlin: Hoje temos várias áreas, desde os idiomas, passando por infantil, gastronomia, paradidático, infantojuvenil, negócios, carreira, comportamentos, toda a parte de psicologia. Cada área dessa se destaca positivamente, dependendo do que tem acontecido, ou está acontecendo naquele ano. Por exemplo, na época da pandemia, as pessoas procuraram muito os livros de comportamento, de mudança de carreira, de qualidade de vida. Atualmente, as pessoas estão procurando outros tipos de livro. Vemos que algumas áreas sofreram mais, em função da digitalização do conteúdo. Por exemplo, os livros de direito mudam todo ano. É difícil alguém comprar aquele livro todo ano, nesses casos, o conteúdo digital se tornou mais interessante. Mas, de qualquer forma, nesse tipo de livro, houve queda nos últimos anos. Livros de entretenimento, como ficção, têm a competição da Netflix e outras distrações. Por outro lado, as pessoas estão cada vez mais preocupadas com o dinheiro. Então, livros sobre carreira, finanças e a famosa autoajuda — na carreira, não em relacionamentos — têm crescido muito nos últimos dois ou três anos, principalmente depois da pandemia. Há áreas que entraram em declínio e outras áreas em ascensão. Por isso, o grupo sempre visa ter uma bibliodiversidade nas suas publicações, ele tenta atingir todo tipo de público. O que se vê no mercado nos últimos 10 anos? Só para resumir: o mercado parou de decrescer. Ele cresce e sobe conforme a economia do mundo. Porém, as pessoas continuam querendo o livro, mesmo num país como o Brasil (com 220 milhões de pessoas, mas apenas 10% de compradores anuais, em média). É um número pequeno para o nosso país, mas, esse número segue estático, aproximadamente, há 10 anos. Isso é bom, porque o nosso mercado existe, chegou num tamanho, num platô. Ele nem aumenta, nem diminui. Segue, basicamente, lateralizado. Para nós, é o suficientemente bom, mesmo com todas as dificuldades citadas aqui.
Panorama da Escrita: Há alguns anos, aconteceu um movimento de aquisição de editoras brasileiras por empresas estrangeiras. Você acha possível que esse movimento retorne?
Gorki Starlin: Acho que esse momento ainda existe. Recentemente, nos últimos 5 anos, algumas editoras menores foram adquiridas por empresas internacionais. No entanto, esse movimento tende a cair. Muitas das editoras que interessariam a esses grupos estão nas mãos de pessoas que não têm interesse em vender, pois já estão bem estabelecidos, porque querem dar continuidade ao seu legado, ao seu trabalho. Vemos esses movimentos acontecendo de empresas espanholas, empresas americanas. Acho isso salutar, de certo modo, porque o consumidor consegue ter acesso a produtos de uma diversidade maior de investimento. Hoje, esse processo de fusão e aquisição é visto no mercado interno, ou seja, editoras brasileiras têm se fundido. Nos últimos 5 anos, não houve uma grande aquisição por editoras internacionais. As aquisições maiores já aconteceram. De modo geral, a chance de se ter uma aquisição grande por um grupo internacional é menor hoje.
Panorama da Escrita: Há pouco, comentávamos sobre os desafios de empreender no mercado editorial. Quais conselhos você daria para quem deseja abrir uma editora no Brasil?
Gorki Starlin: Quando alguém começa uma editora, começa também um sonho de entregar ideias para um determinado público. Provocar mudanças, pensamentos, entretenimento nessas pessoas. Independente do ramo escolhido, uma coisa é fator muito importante: tem que existir capital para manter a editora 1 ou 2 anos, sem esperar retorno financeiro. Provavelmente, investindo na editora, na publicação, porque o retorno médio de um projeto é de 1 ano e meio a 2. Se você planeja lançar vários livros esse ano, 10, 15, 20 livros, pode ser que você só tenha retorno desse dinheiro no outro ano e o lucro só no segundo ano. Muitas editoras pequenas nascem de boas ideias, mas elas não têm fôlego financeiro, porque parece que o longo prazo nunca chega. Ele chega. O problema é que as editoras abrem e não estão preparadas financeiramente para levar até que ele possa executar esse longo prazo. O livro tem muitos custos. Você tem que contratar vários profissionais. A distribuição nas lojas, na maioria das vezes, é loja a loja. Se você quer ter o seu livro em 200 lojas, você terá que fazer, pelo menos, 200 fretes, entregar em 200 pontos de venda. Em 2018, 2019, existiam grandes redes e megastore. Você entregava numa central e elas distribuíam no Brasil inteiro. Agora, as editoras são obrigadas a entregar loja a loja. Isso aumentou muito o custo. Esse é só um dos exemplos que temos. Outro exemplo, é o custo do papel e da impressão que subiu mais que o preço do livro nos últimos 5 a 10 anos. Mais uma vez, as margens são espremidas, isso faz que se tenha que esperar mais tempo. Depois que você investe no livro, você espera, às vezes, um ano para retornar todo o dinheiro que você investiu. E, a partir dali, começa algum lucro. O retorno é de longo prazo.
Panorama da Escrita: As tiragens são menores por causa disso?
Gorki Starlin: As tiragens são menores pelo número de livrarias que temos. Antigamente, tínhamos, pelo menos, 30 a 40% a mais livrarias, por isso, as tiragens eram 50% maiores do que são atualmente. A venda online representa próximo de 55% das vendas. Esse livro não precisa ficar exposto na livraria. As livrarias são menores, existem menos livrarias do que antes. Se você tinha uma tiragem, por exemplo, de 100 livros — é só um exemplo fictício — hoje se faz uma tiragem de 70 livros. Mas claro, a tiragem depende muito do tamanho do público, do nicho e da expectativa de retorno que se tem. Tudo isso, fez com que as tiragens diminuíssem, e o custo, por livro, subisse. Infelizmente, por uma questão econômica, do Brasil e do mundo, é difícil as editoras repassarem essa diferença, ou diminuírem a tiragem. Basicamente, é um jogo de matemática, não somente um jogo literário: escolher o livro que será editado. Claro que o bestseller, dará dinheiro em qualquer cenário. Entretanto, a maioria, isto é, 95% dos livros, empatam ou dão prejuízos. Você tem que fazer esse jogo financeiro. O desafio está no editor levar, tanto o editorial, quanto o econômico, ano a ano de modo sadio, porque o mercado é lento.
Panorama da Escrita: Como você enxerga a Flip em relação à carreira do escritor?
Gorki Starlin: Acredito ser uma grande troca de ideias e provocações. Muitas vezes, você vem aqui e escuta os autores falarem, escuta as tendências, o que está dando certo, o que as editoras estão buscando. Você entende quais são as tendências literárias, já que isso muda demais. Se muda o governo, mudam as prioridades daquele governo, mudam os incentivos educacionais. As editoras e os autores precisam acompanhar esse tipo de movimento, seja ele qual for. Muitos livros de literatura têm uma mensagem embutida. Por exemplo, o livro “A revolução dos bichos”, que é um clássico. E continua sendo um livrão, depois de 70 anos de lançado lá fora, acabamos de lançar o nosso. É um livro maravilhoso, é um livro atemporal. O autor que vem à Flip, ele vê as tendências lá de fora. O que as editoras estão procurando, apostando, para que ele tente se encaixar nisso. Logicamente, o autor não pode mudar toda a sua estrutura de escrever ou suas ideias. Tem que esperar o mercado virar, porque assuntos passados podem voltar a ser tendência no futuro. Na Flip você acompanha isso.