Por Gabriella B.
Fizemos a entrevista com o icônico editor Eduardo Lacerda, sócio da pequena Editora Patuá (conheça os livros AQUI), que, praticamente sem funcionários, publicou mais de 1000 livros. O editor cursou Letras, com habilitação em Língua Portuguesa e Linguística na Universidade de São Paulo. Atuou como produtor cultural na Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura e no Programa São Paulo: um Estado de leitores, com a realização de projetos de incentivo e estímulo à leitora e projetos de instalação de bibliotecas públicas ou comunitárias no interior
do Estado de São Paulo, além de trabalhos como produtor cultural de eventos como saraus e lançamentos em bibliotecas como Alceu Amoroso Lima. Em 2011 criou a Patuá, editora independente que já publicou mais de 1000 títulos.
PANORAMA DA ESCRITA: Passamos por um momento muito conturbado na indústria do livro. Como a falência de de livrarias impactou no seu negócio?
Eduardo Lacerda: A Patuá nunca trabalhou com livrarias, é uma política da editora desde sua criação, em 2011. Amamos as livrarias e sabemos que o Brasil tem poucas livrarias, muitas cidades dos interiores do país não tem uma única livraria e mesmo São Paulo tem poucas livrarias, chego a dizer que São Paulo não tem livrarias, se considerarmos que a maior parte delas estão nos bairros ricos da cidade, quando pensamos a cidade como um todo, as periferias e as regiões mais afastadas, a cidade não conta com livrarias, apenas algumas em shoppings e que não atendem as necessidades da população.
Mas as condições comerciais que as livrarias praticam são injustas. A maior parte das livrarias cobra um desconto de 40 a 60% sobre o preço de capa, pedem os livros em consignação e prazos de pagamento mínimo de 90 dias para o acerto após a venda, muitas livrarias nunca fazem os acertos. Enfim, para pequenas editoras, como a Patuá, trabalhar com livrarias é impossível. Isso não significa que não entendemos a importância delas, apenas queremos que a forma de trabalho possa ser mais justa para todos. Com a falência de algumas livrarias, muitas pequenas editoras tiveram
prejuízos, acompanhei pequenas e médias editoras que fecharam as portas, outras que tiveram que mudar a forma de trabalho.
Na Patuá não sofremos nenhum impacto. Trabalhamos com a venda direta de nossos livros aos leitores, usamos nosso site para isso e também outras plataformas, como a amazon (na venda direta), as redes sociais e eventos presenciais (antes da pandemia).
PANORAMA DA ESCRITA: O Brasil é um país que não possui um grande hábito de leitura, é possível sobreviver vendendo livros em um país que lê tão pouco?
Eduardo Lacerda: Todos os escritores, escritoras, editores, editoras e todas as pessoas da cadeia do livro, como revisores, ilustradores, diagramadores etc devem lutar para transformar o país em um país de leitores e leitoras. É nossa obrigação, nosso dever e nossa missão. Há um projeto histórico de não-formação de leitores, assim como há um projeto contra a educação.
Somente a educação e a cultura podem transformar esse país em uma sociedade civilizada, justa e que progredirá também em outras áreas. Essa missão para a educação e a cultura deveria unir todas as alas ideológicas, isso está acima de ideologias. Lutar pela educação, pela arte, pela cultura é trabalho de todas as pessoas. É impossível negociar com isso.
Dito isso, sim, é possível um escritor ou escritora viver de livros, mas não necessariamente vendendo livros. Um escritor ou escritora pode participar de oficinas, palestras, eventos, feiras, festas, cursos, escrever para jornais, escrever
em sites e revistas, pode-se, então, viver do trabalho de escrever e das atividades relacionadas com a escrita. Já viver de direitos autorais, isso é muito difícil mesmo para escritores que vendem muito.
PANORAMA DA ESCRITA: Qual dica você daria para um escritor iniciante?
Eduardo Lacerda: É importante que todo escritor ou escritora também seja um leitor e uma leitora. É impressionante como poucos escritores se preparam, leem, estudam, refletem sobre o país, sobre a língua, sobre a literatura. Muitos escritores sequer entram no site da editora em que pretendem publicar para conhecer o trabalho. E muitos escritores querem resolver uma publicação por redes sociais, como instagram, twitter, tik tok, facebook.
Publicar, atualmente, é barato e fácil, mas quem acha que o trabalho de um escritor é só publicar acaba não conseguindo nenhum resultado com o livro.
PANORAMA DA ESCRITA: Estamos vivendo um momento atípico de pandemia. As livrarias e editoras
foram prejudicadas? Em que nível?
Eduardo Lacerda: Todas as pessoas foram prejudicadas, todas as empresas. Acho que os trabalhadores e trabalhadoras foram mais prejudicados, pois são os primeiros que perdem o trabalho e a renda, eu me solidarizo muito com as pessoas e sei que
todos sofremos de maneiras diferentes. Como a Patuá pode manter seu trabalho remoto, tivemos uma queda na venda dos livros, precisamos nos adaptar, cancelamos alguns lançamentos, mas sobrevivemos. Nossa livraria física, que é também um bar, está fechada desde março de 2020 e pretendemos reabrir somente quando for seguro. E eu acho que só será seguro quando as pessoas não estiverem mais morrendo, o que não é o caso. Alguns empresários naturalizaram a morte diária de mais de duas mil pessoas. Isso não é normal, não é natural. Aqui na Patuá nós perdemos dois amigos/autores que morreram de Covid 19, além de amigos e pessoas próximas.
O maior impacto é a morte de uma pessoa. É isso que esse país ainda não entendeu, se as pessoas não morrem, podemos – como sociedade que nos negamos a ser – dar um jeito, encontrar saídas, soluções, estratégias de negócios,
renda. Tudo isso é possível, impossível é deixar que as pessoas morram.
PANORAMA DA ESCRITA: Quais as principais novidades da editora para o segundo semestre de 2021?
Eduardo Lacerda: Nós temos quase 200 livros para publicar no segundo semestre, nesse momento temos um contrato com o escritor Eric Nepomuceno, um dos maiores autores do país, tradutor de dezenas de livros importantes de autores como Galeano, Cortázar e Gárcia Marquez. Estamos negociando o contrato do novo livro do Martinho da Vila (que não foi fechado ainda), mas a grande alegria da Patuá, minha grande alegria hoje, é dar espaço tanto aos jovens autores e autoras, pessoas que estão começando e acreditar no trabalho dessas pessoas quanto editar autores já reconhecidos.
PAMORAMA DA ESCRITA: Qual a sua principal estratégia comercial?
Eduardo Lacerda: Como empresário eu sou muito amador, porque amo os livros e a literatura e não coloco comércio acima dos livros. Veja, mercado editorial e literatura são coisas muito diferentes, em algum momento eles podem dialogar, mas são coisas diferentes. Se um editor ou editora pensa apenas no comércio de livros não publicará livros que vendem pouco ou só publicará autores que possam pagar pela edição. Eu não julgo quem trabalha dessa forma.
Meu trabalho e estratégia é buscar o equilíbrio, buscar viabilizar livros que acho que são bons, manter a saúde financeira da minha empresa, ser justo com os colaboradores. Estamos com mais de 1200 livros publicados e esta estratégia funcionou até agora.
PANORAMA DA ESCRITA: Qual o critério de seleção dos autores da editora?
Eduardo Lacerda: A Patuá foi uma das primeiras editoras independentes a trabalhar sem cobrar a edição dos autores e autoras estreantes. Nós pagamos todos os custos da edição e isso nos dá liberdade para selecionar apenas os livros que julgamos de melhor qualidade (e é claro que esses critérios são subjetivos e dependem muito de nossas escolhas e gostos pessoais). Como posso realizar minhas escolhas editoriais sem depender do pagamento dos autores, o que faria a escolha ser financeira e não pela qualidade da obra, temos selecionado bons autores e autoras, com boa recepção crítica. Isso também fez com que muitos de nossos autores e autoras ficassem finalistas ou semifinalistas de prêmios importantes e alguns também fossem premiados. Podemos destacar que já ganhamos 2 vezes o Prêmio São Paulo de Literatura, com os melhores romances de estreia em 2013 e 2015, mas ficamos finalistas 8 vezes desse prêmio. Ganhamos 3 vezes o prêmio Jabuti, sendo que em 2018 ganhamos o 1º lugar na categoria contos e também ficamos finalistas dezenas de vezes desse prêmio. Ganhamos o Prêmio Casa de las Américas, um prêmio internacional de Cuba, como o melhor romance brasileiro de 2019. Ganhamos o Prêmio Biblioteca Nacional, em 2020, com o melhor livro de poemas do ano. Enfim, são dezenas de prêmios e indicações.
Esse reconhecimento começa no momento da seleção das obras, com a leitura atenta do original, com um bom trabalho editorial, de capa, projeto gráfico, divulgação. No fim os livros também dão algum retorno financeiro.