ENTREVISTA

“O autor tem que entender o que cada editora busca”

Entrevista Por Gabriel Mendes

O Panorama da Escrita, maior site do Brasil voltado pra escritores, através do autor Gabriel Mendes, teve uma conversa muito interessante com o Daniel Lameira,  um dos nomes mais respeitados do mercado editorial no país.  Falaram sobre como entrar em uma grande editora, networking e redes sociais.

Daniel é dos fundadores da Antofágica e esteve durante sete anos à frente da direção editorial da Aleph, além de ter passado por casas como Intrínseca, Novo Século, LeYa, FNAC e Livraria da Vila. Foi vencedor do prêmio Rising Star (2015), que teve apoio da Feira do Livro de Frankfurt em parceria com SNEL e PublishNews. Figurou no livro 100 nomes da edição no Brasil como um dos Editores do Futuro. Em 2015, criou a curso Vida do Livro, que desde então já formou mais de 1.500 alunos. Também é um dos criadores do projeto SEIVA, uma escola, editora e comunidade criativa onde se acredita que a arte é para todos.

Panorama da Escrita: Como conseguir publicar por uma editora grande? O que elas procuram?


Daniel Lameira:
 Quando uma editora publica um livro de um autor, ela está se associando, virando uma sócia daquele livro. Ela investirá dinheiro no livro. Fora todo o romantismo, a parte artística e literária, essa editora está entrando como sócia, investirá, pagará os custos, fará a produção editorial, pagará a gráfica. Ela busca que esse livro se pague. Esse é o principal. Claro que, além do livro se pagar, cada uma busca uma coisa. Uma busca construir um catálogo mais literário. A outra busca livros de referência de uma área. O autor tem que entender o que cada editora busca. Porém, todas têm em comum buscar um livro, um escritor que seja um bom parceiro de vendas.

Panorama da Escrita: Quais os principais critérios para chamar atenção de uma editora grande? Base de seguidores é um critério?


Daniel Lameira:  Varia conforme as editoras. Uma base de seguidores é importante para lançar um livro de crítica de arte? É menos relevante. Esses critérios vão se adaptar a cada editora. Para você lançar um livro Young Adult na Intrínseca, a base de seguidores pode ser importante. Os critérios se adaptam ao tipo de livro que você escreve, que tipo de publicação você quer fazer. Claro, ter uma comunidade que te segue, ter leitores interessados no seu livro é importante; isso pode vir sendo jornalista, sendo acadêmico. Se existem pessoas te seguindo em redes sociais, ajuda. Ter um produto bom, ajuda. Acho que é uma soma desses elementos numa equação. Vale a pena, como editora, como editor, ou como dono da editora, se aliar a esse produto? Com essa pessoa? Essa pessoa é legal? Esse produto vale a pena? Esse produto dará certo? Cada elemento que o autor traz para essa equação, ajuda essa editora a calcular se vale a pena, se vai vender. Uma pessoa tem milhões de seguidores, você começa a lidar com produtos não tão bons. Você começa a lidar com pessoas que, talvez, não quisesse, mas, ela venderá muito, será legal. Um dia tentarei desenhar uma equação de quais os critérios que têm pesos diversos, dependendo das editoras, para a gente lançar um livro.


Panorama da Escrita: Já que o site é muito voltado para escritores, vamos supor que ele tenha um bom produto, construiu uma base de seguidores, como abordar a editora? E-mail funciona?

Daniel Lameira:  E-mail pode funcionar, é raro. A editora recebe muitos e-mails de autores com originais. Hoje recebi um pelo LinkedIn, um manuscrito. Vem de todos os lados. Possivelmente, os editores estão aqui na FLIP sendo abordado por pessoas que depois vão enviar os originais. O autor terá que chegar nesse editor de alguma forma, seja pessoalmente, seja por e-mail, seja no WhatsApp, seja no Instagram. Como fazer isso de forma que o editor dê atenção, esse é o desafio. Um e-mail bem escrito, talvez fazer um curso do André Conte ou de outra pessoa. Passar a conhecer a comunidade editorial. Muitos aqui na FLIP se conhecem, um apresenta para o outro. Acho que essa é a forma mais comum de se entrar, de começar a conviver com pessoas da comunidade de editores, de escritores etc. Conhecer alguém de que gosta, que quer te apresentar para outra pessoa. Esse e-mail chegará em algum momento. Mas, mandar um e-mail sem referência, nada de referência, será difícil ter a atenção desse editor, que está com outros 1.000 e-mails, coisas atrasadas, não está dando conta do trabalho que tem. Ele não falará, tem aqui o e-mail bem escrito, que o Gabriel mandou, lerei. Quanto mais você consegue se inserir no meio, conhecer pessoas que escrevam coisas como as suas, publicando coisas como as suas, acho que fica mais fácil encontrar esse caminho, dar esses passos.

Panorama da Escrita: Como um escritor pode fazer esse networking literário? Esse networking é muito importante para o escritor?

Daniel Lameira:  É um caminho possível. Darei um exemplo. Estávamos conversando há pouco com uma autora, que lançou um livro legal, é finalista de um prêmio, mas não publica por uma editora grande. Não que ela vá precisar fazer o networking. Quero conhecer todo mundo, vou ter que beber, vou ter que virar amigo de todo mundo etc. Mas, conhece alguém, que conhece alguém, que conhece alguém, até chegar à editora dela. Talvez ela queira ficar naquilo, não queira viver esse mundo, quer só escrever. “Tenho a minha agente literária, tenho o meu editor e vou publicar”. Tem gente que acaba entrando e frequentando esse meio, conhecendo, de fato, todo mundo, entretanto, é uma opção do autor. Ter algum ponto para chegar nesse editor, para chegar em alguém, tem que ter. O mais natural é você conhecer as pessoas na vida real, porque são pessoas, não é uma sequência técnica de acontecimentos. Não, são pessoas, cada um com gostos diferentes, querendo fazer coisas legais. Chegar numa pessoa e encontrar uma vontade em comum, para fazer isso acontecer, talvez seja a forma que dá mais certo.

Panorama da Escrita: Como você acha que um autor pode trabalhar as redes sociais dele? Qual seria a sua sugestão?

Daniel Lameira: Ele tem que fazer algo que se sinta bem. O autor tem que fazer algo que ele esteja à vontade, feliz de estar fazendo. Ah, tem que ter o Instagram postando coisas. Um amigo comparava a internet com sair na rua. Voltei à hospedaria e pensei, coincidentemente, numa frase dele. Estava na rua o dia inteiro, convivendo com as pessoas. Falei com um monte de gente, voltei, tomei fôlego. A internet é parecida com isso. É você sair na rua. As pessoas não vão te ver, se você não sair na rua, se você ficar só no quarto. Você não terá experiências, não trocará com pessoas legais, não conhecerá gente bacana, não passará por estresse etc. Dialogar na internet, conviver na internet é o “sair na rua”. Como você quer sair? Com quem você quer conviver? Em que formato você quer fazer isso? Você quer escrever uma newsletter semanal? Quer fazer um podcast?  Quer fazer um Instagram? Quer só participar no Twitter?  Você descobrirá qual é a forma mais natural, porque se entrar numa formulazinha, tem que fazer 2 posts por dia. Vão passar 2 meses, você estará triste, se sentirá mal, não vale a pena. Você ainda tem que escrever, tem que acessar o seu momento de ofício, que já é difícil, ainda tem que ter essa outra obrigação? Para mim, tem que ser uma expansão natural do que esse autor sente vontade de fazer.

Panorama da Escrita: O mercado de mentorias, de cursos, de oficinas para escritores é um dos mais aquecidos no contexto do livro. A que você atribui isso?

Daniel Lameira:
 Há muitas pessoas que trabalham com o livro, todavia, não ganham o bastante fazendo qualquer coisa que estejam fazendo. Vários autores não ganham royalty o suficiente para sobreviver. Vários editores, tradutores, revisores etc. Esse foi um caminho natural de quem tem experiência nisso, querer dividir. Porque é um mundo muito encantador, um mundo que tem muita gente com interesse, é um mundo relativamente fechado. A maioria das pessoas não faz ideia de que existem esses bastidores do mercado editorial. Acho muito válido, por exemplo, tenho muita vontade de escrever livro para 12, 13 anos. Conheço uma editora que admiro muito, eu adoraria pagar, não para publicar, mas para ela ler o que estou pensando, conversar comigo, fazer essa mentoria, essa troca. São nomes horríveis, porque parece uma coisa quase coach. É uma profissional que sabe muito disso, eu admiro, que poderia adicionar ao que eu gostaria de fazer. Quando eu tiver algo, eu falarei com ela e verei quanto ela cobraria para fazer esse acompanhamento comigo. Tem um lado muito humano disso, de pessoas querendo se conectar, querendo se ajudar e achando formas financeiras disso ser viável para os 2 lados. No meio disso, tem muita gente pilantra, muita gente que se aproveita de tantos autores que querem publicar para vender promessas, ou ideias que não são factíveis, realistas, mas tem muita gente boa. Se você consegue fazer essa filtragem de quem é legal, quem pode realmente te ajudar a trocar uma ideia, te ajudar a evoluir, não só profissionalmente, também como ser humano na arte que você quer explorar, é lindo, tem muita gente incrível neste meio.

Panorama da Escrita: Em relação à Flip, como um evento desse pode auxiliar o escritor que está aqui presente? Como pode contribuir na carreira dele?

Daniel Lameira:  
Tem muita programação paralela. Um autor iniciante, talvez venha e assista, nas primeiras vezes, essas mesas, vejam autores que estão publicando pela primeira vez.  Vejam autores que estão publicando contos ali conversando. A FLIP é um lugar raro, valioso. Infelizmente, muito elitista. É muito caro vir para cá, não é um eixo Rio-São Paulo. Mas você tem acesso a essas pessoas. Estamos aqui na rua, ali vão passar os autores, os editores. Você vai numa mesa, depois você pode falar com a pessoa que adorou o que ela expôs. Ontem, participei de uma mesa, depois uma pessoa falou que adorou o que eu disse, que queria me conhecer. Acontece uma troca acessível, uma coisa que dura 5 dias, não é super corrido, como na Bienal, que você vai um dia e tem que fazer um monte de reunião. É uma experiência que pode ser valiosa, mas você tem que estar aberto e dedicado a se expor, a falar com as pessoas. Às vezes, alguém não poderá te dar atenção. É uma oportunidade de você começar a achar o seu grupo, para trocar, para conviver, para se ajudar.

Panorama da Escrita: Daniel, você acha possível o autor viver da venda dos seus livros no Brasil? E qual seria o principal caminho?

Daniel Lameira:   Se você quiser um salário médio, ganhar alguns salários mínimos por mês, é muito difícil fazer isso com royalties de livros. Poucas pessoas conseguem estar na lista de bestseller ou conseguem lançar muitos livros independentes. Mesmo os autores renomados, eles, normalmente, têm fontes de rendas outras, além do livro, dão aulas. Infelizmente, exceto você seja um bestseller ou tenha uma carreira muito prolífica lançando bastantes livros, conversando com uma comunidade grande. No geral, o trabalho do escritor é aliado a outras possibilidades que você encontra.












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