ENTREVISTA

“O autor primeiro tem que começar a investir nele, e não ficar esperando o sonho de ser publicado”

O Panorama da Escrita, o principal site de escritores do Brasil, teve a honra de realizar uma entrevista com uma das mais renomadas especialistas em carreira de autores no país, Lilian Cardoso. A entrevista foi conduzida pelo nosso repórter especial, Gabriel Mendes.

Lilian Cardoso, jornalista com especialização em cultura, fundou, aos 26 anos, em 2010, a primeira agência brasileira 100% dedicada à divulgação de livros. Atualmente, ela se destaca como uma das profissionais mais influentes do setor, notabilizando-se por sua ativa presença no Instagram. Lilian é amplamente reconhecida por seus workshops e eventos online gratuitos, que já beneficiaram mais de 100 mil autores. Sua empresa conta com mais de 34 colaboradores, dedicados a formar novos escritores. 

Na entrevista, Lilian compartilha insights valiosos sobre como escritores podem se destacar nas redes sociais, alcançar grandes editoras e sobre a importância do networking no universo literário.

Panorama da Escrita: O que as grandes editoras buscam em um escritor?

Lilian Cardoso: A obra tem que ter qualidade, em primeiro lugar.  Houve o boom dos escritores e das escritoras, influenciadores de redes sociais, famosos, celebridades da televisão, artistas, atores, cantores que, por terem uma audiência grande, lançavam um livro. Participei desse momento e conto isso no meu livro. Muitos desses livros não deram certo. Por quê? Porque o público daquele famoso não lê. Eram grandes tardes de autógrafos porque as pessoas iam para abraçar, tirar foto com a artista. O mercado entendeu esse movimento e, hoje, as editoras buscam, não só quem tem uma audiência, mas que também esteja interessado no conteúdo do livro. “Ah, eu vou lançar um livro de um sertanejo, mas o que esse sertanejo está contando no livro? Ah, um sertanejo muito famoso, as pessoas estão interessadas na biografia dele ou ele fez uma autobiografia? Ah, um comediante fez um livro de piadas, será que o público dele gosta de ler piada?”  O editorial passou a olhar os famosos, as celebridades, desse outro jeito. As editoras olham a qualidade do livro para ver se tem público. As grandes editoras fazem tiragens enormes, começam com 4000, 5000, 6000, 8000 exemplares para poder distribuir para todo o Brasil. Sendo assim, ela buscará um autor que tenha uma audiência, ou um público, e um livro que tenha qualidade. Mas, as 2 coisas têm que ser somadas. Não adianta ter audiência e o público não consumir livro. E não adianta o produto não ser de qualidade, não ser algo bacana. As editoras têm buscado, sim, por autores que já têm uma audiência, porque assim, já se consegue uma pré-venda, o livro se paga nas primeiras vendas, o público dele consome. Uma coisa interessante para falar, são os prêmios de literatura que sempre acabam dando visibilidade. Existem vários caminhos para o autor chegar numa editora tradicional. Todavia, começar de maneira independente e conquistar números de vendas também impressiona. Tenho muitos alunos que chegam para uma editora tradicional e mostram que venderam 500 livros sozinho, venderam 1000 livros sozinho, a editora se impressiona e pensa o quanto pode vender se aquele escritor estiver com ela. Mas, aquele autor que não vendeu nem 50, 100 livros sozinho, o que vai fazer uma editora querer publicar o material dele? É aquilo que eu falo. O autor primeiro tem que começar a investir nele, e não ficar esperando o sonho de ser publicado.

Panorama da Escrita: Quando você diz que o livro precisa ter qualidade. Você fala da qualidade literária, ou do projeto em si? O livro precisa ter uma pegada comercial também?

Lilian Cardoso: Depende do tipo de literatura. Para a alta literatura, para um livro de prêmio, a narrativa tem que ser redonda, tem que ser algo original, ou uma releitura interessante. Já um livro técnico, ele tem que estar adequado às questões técnicas, a comunicação do produto tem que estar adequada. Por exemplo, às vezes, a pessoa faz um livro que é para chegar a muita gente, é um livro popular. Toda a narrativa está acessível, numa linguagem de simplicidade — que não significa que seja simples — é técnica, mas o conteúdo é de valor. As pessoas confundem. Não é porque escrevi de maneira simples que não há profundidade no meu conteúdo. Escrevi de maneira simples para ser acessível. É assim que alguns filósofos escrevem. O Carnal, o Cortella, eles são muito estudiosos, mas, você lê os livros deles e consegue entender, porque eles querem que chegue a mais pessoas. Tem que adequar o título. Se eu for fazer um livro para a academia, é um tipo de título, se eu for fazer um livro para chegar a mais pessoas, eu vou falar de outro modo. Ah, o transtorno compulsivo. Vou falar, aprenda como superar as suas crises de ansiedade. Você vai para um título simples e não é à toa, que muitos títulos simples estão na lista dos mais vendidos. Tudo é um equilíbrio, não tem só uma coisa  ou só outra coisa.

Panorama da Escrita: Com sua experiência de assessoria de imprensa, com a agência de comunicação, o quão importante é o escritor saber se comunicar? Qual o benefício do escritor que contrata uma agência de comunicação?

Lilian Cardoso: O autor e a autora precisam entender que eles são os donos da carreira deles. Por exemplo, o meu conteúdo, eu tenho certeza de que os meus leitores, as pessoas do mercado, sabem quando é um post que escrevi e quando é um post que a minha equipe escreveu. Você pode ter o apoio de uma agência, você pode ter o apoio de um amigo seu produzindo. Ah, não tenho habilidade com as redes sociais, vou pedir para o meu neto postar. Beleza, teu neto vai poder postar, mas é você que vai trazer o conteúdo. O conteúdo é do escritor, o leitor na rede social tem que ver a sua alma. Tem que ver a sua escrita, a sua técnica, a sua voz, a sua identidade. Ah, vou contactar uma agência, fazer um monte de imagem bonita. Vai parecer uma empresa, uma publicidade. Você pode contratar alguém, você vai gravar teus vídeos, você pode contratar alguém para editar os seus vídeos, você pode contratar uma consultoria de marketing para ajudar você a ter ideias de conteúdo, mas veja essas agências e esses profissionais como apoio. É a sua voz. Você pode divulgar a imprensa para recomendar seu livro e fazer as críticas. É uma ponta. Você pode fazer uma junção. No meu livro, ensino várias técnicas de marketing e divulgação, mas o autor tem que aceitar que ele é o melhor porta-voz da sua obra.

Panorama da Escrita: No seu livro, você falou que muitos escritores têm uma certa resistência com o marketing. Acham que o marketing não é para eles. E você fala que existem muitas formas de fazer marketing. Existe algo que vai chegar daquele jeito para a pessoa, como você enxerga isso?

Lilian Cardoso: Exatamente. Por exemplo, se ele é um escritor, uma escritora genuína, ele vai gostar de escrever. Por que ele não escreve sobre os temas do livro dele? Produz outros artigos, liga esses temas a assuntos factuais da sociedade. Por exemplo, o livro dele cabe muito bem para a academia. Por que ele não faz palestras nas faculdades. Se cabe à educação infantil  ou ao infantojuvenil. Por que ele não vai às escolas ocupar esses espaços? O escritor pode ficar parado, esperando o leitor chegar nele. Isso é muito difícil. Agora, você ir até ele, isso pode ser no offline. Ah, eu não gosto de estar na internet. É um marketing offline. Existem mais de 80 tipos de marketing, eu vou até os lugares. Estar numa feira, estar numa palestra, é um marketing offline. O que faço é sempre em offline e em online, por exemplo, eu estarei numa palestra daqui a pouco, eu vou filmar para ficar lá nos stories do meu Instagram e aproveitar. É claro que o marketing, digo por mim, trabalho com divulgação desde 2008, muda muito. É o botão, é a ferramenta, é o gerenciador de anúncios, é complexo. Essa parte pode ser terceirizada. Esse é o pulo do gato. O conteúdo, o estilo é dele. Falo isso, porque os autores chegam na agência e falam que divulgaram o livro, fazemos as imagens, colocamos os trechos do livro, colocamos a história na mídia, a gente faz todo um trabalho bacana, mas, isso dá mais resultado quando o autor participa e aparece.

Panorama da Escrita: Qual a importância do networking literário num evento como a Flip? Como o escritor se beneficia desse networking?

Lilian Cardoso: Muitas parcerias para discutir o mercado, para saber em qual nicho ele se encaixa. Vejo autor conversando com ilustrador, autora conversando com outra autora para fazer uma parceria. Ah, é tão difícil investir no marketing sozinho, por que você não faz um livro com outros autores. O cenário da música faz isso há muito tempo. E no mercado do livro, a gente vê os autores bestsellers fazendo isso, juntando os públicos. Enfim, eles entregam as obras para as editoras, conversam com os editores. Entretanto, tem um ponto do networking. O escritor está aqui, ou na bienal, a escritora está aqui, pegou um monte de contato. Se ele chegar na próxima semana e não mandar um e-mail, não fizer um follow up, já era. Ele tem que saber aproveitar o pós feira. Colocar em prática, fazer a parceria e não esquecer, porque você vê as grandes feiras, a bienal de São Paulo, a bienal do Rio, a Flip uma vez por ano. E as outras feiras? Ele tem que continuar a fazer o networking na cidade. Muitas vezes é difícil fazer networking na cidade. Eu sei, porque o meu networking mais forte é em São Paulo, mas agora estou morando no interior de Santa Catarina e acredite, eu estou com mais dificuldade no interior. É uma cidade mais fechada, do norte de Santa Catarina, do que em São Paulo, onde fiquei 10 anos trabalhando no mercado do livro. Temos que entender, por exemplo, a cidade não me conhece. Vou ter que ir à associação, ir numa palestra. Tem que aproveitar o networking da cidade, as associações, as livrarias da cidade, a prefeitura, o município e, claro, se puder viajar. Às vezes, queremos conquistar um leitor que está do outro lado de Santa Catarina, lá em Manaus e eu não falo para minha vizinha de casa. Tem que botar a vergonha de lado.

Panorama da Escrita:  Existe um mercado muito forte de mentorias, cursos, oficinas para escritores. Esse é um dos mais aquecidos no contexto do livro. O que faz ser tão aquecido esse mercado de mentorias, oficinas, cursos online?

Lilian Cardoso: Porque é carente. Quando comecei na pandemia, eu fiz live toda terça-feira durante a pandemia. Comecei com esse projeto porque chegavam muitos autores na minha agência com o livro pronto para eu divulgar. Como ia falar para o autor que o título da capa está errado, que a cor da está errada, o livro é de negócio, mas a imagem parece livro de espiritualidade. Acontecem umas coisas assim, porque o autor é muito criativo. Eu sei, porque eu também gosto de criar, mas, a gente viaja um pouco na maionese, a gente quer botar muita coisa, a cabeça está fervilhando de ideias, por isso, ele precisa ter o editor.  Não descaracterizará a tua obra. São ajustes para o mercado. Principalmente para o escritor independente, o escritor que está começando. Todo escritor é independente, mas quem tem um contrato com uma editora é ele.  Eu tinha mania de falar nas palestras que eu era autora independente. Se a palestra é sobre o autor independente, pode falar isso. Agora, se a palestra é sobre o livro, não interessa. Se eu chegar com o teu livro para a minha mãe. Mãe, esse livro é do Pedro. Ela não perguntará se você é independente ou publicou por uma editora. Ela quer saber da história. Essas coisas que trouxemos para os autores, eu e os meus amigos do mercado, começamos a fazer oficinas gratuitas, cursos, mentorias, foi para pegar pela mão do autor e falar como acontece nas editoras. Não sabemos qual é o melhor caminho, mas esse caminho funciona para muita gente e você pode pegar e adaptar. Na verdade, todo livro publicado é sempre uma tentativa, a editora lança e vê o que acontecerá. Encontrei com uma autora, e ela falou que o público estava mais interessado na camiseta do livro dela, do que no livro propriamente. Temos que formar leitores também. Temos nossos desafios. Mas, quanto mais a gente conhece o mercado, mais seguro a gente fica. Entendi que os autores não conheciam muitas coisas, por exemplo, direito autoral, como fecho o contrato com uma editora, como sei dos meus direitos, como faço para colocar meu livro digital na Amazon. Como faço uma parceria de financiamento coletivo. Como todos os outros mercados temos que estudar, fiz muitos cursos.  Sou da primeira turma do MBA book publishing de São Paulo, já estava no mercado do livro há 8 anos e fui estudar o mercado do livro. Percebo, por exemplo, na nossa comunidade como os nossos alunos se ajudam, como aprendo com eles. Falamos antes de networking, estar numa comunidade, estar num curso, estar numa oficina, ajuda muito. Fiz muito networking no meu MBA. O escritor tem que estudar, é um mercado que cresce por quê? Porque estava carente, daqui a pouco, talvez não esteja assim em crescente. Precisamos estudar e discutir mais o mercado.

Panorama da Escrita: Também sair dessa bolha. É um conhecimento muito restrito a um grupo de pessoas. Agora está mais democrático.

Lilian Cardoso: Exatamente. Está democrático. Temos que nos unirmos mais. Alguns escritores, algumas escritoras, ou até os meus amigos que têm curso do mercado ficam se enxergando como concorrentes. Em determinados títulos até podemos ser concorrentes. Não estamos concorrendo com os nossos livros, estamos concorrendo com a Netflix, com a internet, com outros produtos. Porque quem compra um livro e gosta, vai ler outro, vai ler outro, vai ler outro.

Panorama da Escrita: Lilian, você acha possível o escritor viver da venda de livros? Se sim, qual caminho você recomenda?

Lilian Cardoso: Poucos autores conseguem viver, completamente, da renda dos royalties do livro. Hoje na Flip, eu encontrei a autora Juliana Dantas, que seguia um caminho independente, depois vendeu muito na Amazon, foi para a editora Harper Collins, atualmente, vive do trabalho do livro, dos royalties das vendas. Ontem, encontrei um casal, ela escritora e ele ilustrador, vivem com a renda das vendas de livros infantis. Esses cases são de pessoas que trabalham há muito tempo. É um caminho, um processo. Incentivamos os escritores e as escritoras iniciantes a buscar outra renda em paralelo para investir na carreira. Não é uma segunda carreira. Você terá 2 carreiras e usará a outra profissão para poder investir. Por quê? Porque o livro tem um custo. O custo da produção, da capa, da diagramação, da revisão. Se a editora assumir todo esse custo, ainda assim, o autor que divulgará seu livro. Mesmo numa grande casa editorial — esse é um dos temas discutidos na Flip — cada vez mais, é o autor que faz a sua própria imagem, o seu próprio marketing, a sua própria divulgação. Quem gosta de escrever e quer viver de escrita, pode ser redator, ajudar outros escritores a escrever livros (ghostwriter, escritor fantasma, autor que escreve para outros autores), pode trabalhar com revisão, com tradução, pode trabalhar de freelancer. O mercado do livro é carente de bons profissionais, é importante contar isso. Falta revisor, tradutor. Meus clientes sempre perguntam se posso indicar alguém para fazer algum trabalho. Por exemplo, existe um trabalho chamado leitura crítica, é o parecerista. Há muitos trabalhos paralelos que podem ser feitos por quem quer ficar nesse meio.  Pode acontecer de uma pessoa escrever um livro e estourar? Pode, porém, não é a regra. Isso vale para as outras profissões. Tem gente que faz um vídeo no YouTube, às vezes de baixa qualidade, e estoura. E aquele que faz um vídeo super produzido, canta super bem, às vezes nunca será reconhecido. Nisso o marketing pode ajudar.

Panorama da Escrita: O escritor pode viver do universo do livro, mas não, necessariamente, vá viver da venda do livro?

Lilian Cardoso: Exatamente, eu, por exemplo, sou uma pessoa que vivo do mercado do livro. Há 16 anos trabalho no mercado do livro, comecei em 2008. A agência tem 14 anos, ela emprega 34 colaboradores. São 34 pessoas e suas respectivas famílias, que vivem da renda do mercado do livro. Divulgamos, fazemos marketing. O mercado do livro fomenta, gera emprego, mas nem sempre do livro. No meu caso, eu já ganhei um bom valor de royalties, porque vendemos a primeira tiragem em 1 mês, no entanto, se contabilizarmos, comecei o meu marketing, o meu trabalho de divulgação, há 5 anos, formando escritores, entregando conteúdo. Talvez, o que esteja recebendo agora, seja o investimento que fiz antes, por isso o escritor tem que ter um pouco de paciência. Participar de feiras literárias, palestras nas escolas — dependendo do tema do livro — universidades, enfim, ele tem que estar onde o público dele está. Por outro lado, é importante não investir demais, o que quero dizer? Ah, eu farei um livro de capa dura, gastarei um monte, o primeiro livro terá quinhentas páginas. O preço final do livro ficará caro, então, comece com o pé no chão. Na divulgação, no trabalho do livro, às vezes, menos é mais. Em alguns casos, o autor vislumbra muita coisa, começa com uma expectativa muito alta. Não que não possa sonhar grande, deve sonhar grande, mas não investir tudo. É melhor investir aos poucos, do que colocar muito dinheiro no projeto de curto prazo. Tem que ser a longo prazo.

Panorama da Escrita: Tem algo que eu não perguntei, mas que você queira trazer?

Lilian Cardoso: Só queria fazer propaganda do meu livro, o livro secreto do escritor. É um guia, um livro completo, 304 páginas, com tudo que o autor precisa para escrever, publicar e divulgar um livro. Atualizadíssimo, o primeiro livro no Brasil que traz as etapas de publicar e divulgar. Quero publicar numa editora tradicional, como faço? Quero publicar na Amazon, como faço? Quero divulgar, como funciona os bastidores da lista dos mais vendidos. Conto também, resumidamente, na primeira parte do livro, um pouco da minha trajetória no mercado. Mas, eu cuidei muito, porque eu não queria fazer uma autobiografia. Não queria que ficasse chato. Os cases que trago são para inspirar, para saber das coisas que deram errado na prática. Tem um workbook, durante todo o livro o escritor preenche as etapas do projeto, por isso o livro é secreto, não é o que estou contando que é secreto, porque o que ele escreverá é dele, é um diário dele, é o projeto da vida dele.

Similar Posts