Luiza Peixoto conversou com a escritora Natalie Gerhardt, tradutora há mais de 25 anos e finalista do Prêmio Voz, ela nos revela os bastidores de uma carreira dedicada à literatura. Com histórias inspiradoras e dicas valiosas sobre escrita, tradução e o poder do networking, a escritora compartilha sua trajetória e os desafios de viver de palavras.
Panorama da Escrita: Além de escritora, você é tradutora. Quais semelhanças você vê entre os dois ofícios?
Natalie Gerhardt: Eu sou tradutora há mais de 25 anos e tradutora literária há mais de 20 e acho que os dois ofícios são bastante semelhantes, pois ambos usam como matérias-primas fundamentais a língua e a criatividade. Tanto na tradução quanto na escrita, eu trabalho com a interpretação de sentidos e significados. A grande diferença é que, ao escrever, eu preciso criar um universo do zero, já quando estou traduzindo, preciso usar as minhas palavras e a minha criatividade para contar uma história que já está pronta, recriando o texto, respeitando o sentido original e mantendo a naturalidade do idioma.
O grande desafio como escritora é criar uma história interessante, envolvente e bem escrita. Já como tradutora, tenho um compromisso de ser fiel ao escritor original, mas sem me esquecer do leitor do texto de chegada. Costumo dizer que tradutores não traduzem palavras, mas sim significado, cultura e emoções. Temos que buscar a melhor forma de despertar nos leitores do texto de chegada as mesmas emoções que o autor conseguiu despertar nos leitores do texto original
Panorama da Escrita: Quais são os principais escritores que influenciaram sua escrita?
Natalie Gerhardt: Já traduzi autores incríveis nos mais diferentes gêneros e acredito que isso certamente influenciou a minha escrita. Já traduzi livros de Ray Bradbury, Andy Weir, Meg Cabot, Sophie Kinsella, Colleen Hoover, Brittainy C. Cherry, entre outros.
Mas tenho também uma vida inteira de leitora que certamente me deu a chance de ler autores que me inspiram demais: Clarice Lispector, Gabriel Garcia Marques Patrick Suskind (que escreveu meu livro favorito “O perfume”), entre outros.
Panorama da Escrita: Você acabou de ser uma das finalistas no prêmio Voz para a publicação de um livro pela editora Patuá. Pode falar um pouco sobre a obra e como se deu todo o processo?
Natalie Gerhardt: Decidi me inscrever na primeira edição do Prêmio Voz, organizado pela escritora Vanessa Passos, por causa da proposta de dar voz para as mulheres na literatura. No entanto, preciso confessar que fiquei bastante surpresa com o resultado, já que, de maneira geral, os prêmios e concursos literários não costumam olhar muito para comédias românticas, que é considerado um gênero “menor”. Acho isso muito positivo, pois uma das minhas bandeiras como profissional do livro é combater o preconceito literário.
Agora falando do livro em si, “Fora dos Planos” é um romance de formação que conta a história da Nanda, uma universitária que concilia trabalho e estudos para realizar o sonho de fazer pós-graduação na cidade grande. Ela só não esperava ter de lidar com um amor proibido que pode colocar tudo a perder. A história tem uma pegada de uma comédia romântica e é ambientada na década de 1990, um passado bem recente, mas no qual a vida era bem diferente, pois não tínhamos as facilidades de comunicação que os avanços tecnológicos trouxeram nas primeiras décadas do século XXI.
Panorama da Escrita: Qual é a importância de premiações para a carreira dos escritores?
Natalie Gerhardt: O sonho de todo escritor é ser lido. Todos os dias são lançados centenas de livros no Brasil e é um desafio enorme chegar ao leitor e fazer um nome para si. Premiações trazem uma importante validação do trabalho do autor, tanto pela crítica quanto pelo público. Ser finalista ou vencedor de um prêmio literário confere credibilidade e visibilidade, abrindo portas no mercado editorial e chamando a atenção de novos leitores e profissionais.
No caso do Prêmio Literário Voz, as cinco finalistas estão sendo publicadas pela Editora Patuá. Isso é um baita espaço de reconhecimento e divulgação para nós cinco.
Panorama da Escrita: Você também lançou um audiolivro chamado “Dona de mim”. Gostaria que falasse um pouco sobre como surgiu essa ideia e qual a importância de os escritores trabalharem com outros suportes.
Natalie Gerhardt: “Dona de mim” é um dos meus trabalhos favoritos. Eu amo a história da Antônia, uma jovem do início do século XX, que se vê em uma situação de muita dificuldade quando os pais morrem e a deixam órfã. Como não podia herdar, ela acaba tendo que ir viver de favor com os tios e vai ser obrigada a se casar com um velho. Ela encontra um jeito de tomar as rédeas da própria vida, mas tem que pagar um preço alto.
A história da Antônia tem forte protagonismo feminino e mostra o quanto os movimentos feministas abriram portas para nós ao longo do século XX. Acho isso muito necessário hoje em dia quando vejo movimentos como o de “Trad wives” crescendo muito.
Então, quando surgiu o convite para lançar a história como audiolivro, não pensei duas vezes. Aceitei.
O melhor de tudo foi que tive a chance de narrar a história! Quando estávamos escolhendo a voz para a narração, recebi testes maravilhosos de mulheres com sotaque neutro, mas eu precisa de uma carioca por questões linguísticas. Gravei o mesmo trecho que foi usado como teste para mostrar o que eu queria e a editora adorou e me mandou para um estúdio. Posso dizer que foi mágico escrever a história da Antônia emprestar a minha voz para ela contar.
Panorama da Escrita: Como você vê a atuação de agentes literários hoje no mercado?
Natalie Gerhardt: Pouca gente fora do mercado editorial conhece o papel fundamental que os agentes literários desempenham na cadeia do livro. Até bem pouco tempo atrás, eram poucas as agências, mas, de uns anos para cá, felizmente temos visto o aumento do número de agências, mas ainda são poucas considerando o tamanho do mercado brasileiro.
Os agentes atuam como uma ponte entre os autores e as editoras, ajudando a identificar oportunidades que os autores, muitas vezes, não teriam acesso sozinhos. Eles têm um papel essencial na negociação de contratos, cuidando para que o autor receba o reconhecimento e os direitos adequados. Mas não é só isso. Os agentes agem como curadores e editores, ajudando a lapidar a obra antes de apresentá-la às editoras. Esse trabalho de preparação é crucial para aumentar as nossas chances de sucesso no mercado. Além disso, com a internacionalização crescente do mercado editorial, os agentes literários são vitais para conectar autores com editoras em outros países, facilitando a venda de direitos de tradução e adaptação, algo que tem ganhado força nos últimos anos.
Logo que acabei de escrever o meu primeiro livro, eu disse que o meu grande sonho era encontrar uma agente literária. Não é fácil, pois é o agente literário que escolhe com quem vai trabalhar, pois ele aposta no autor escolhido. E aqui cabe uma observação importante: agente literário não cobra honorários. Ele sempre ganha uma porcentagem dos ganhos do autor agenciado por ele.
Felizmente, eu tenho uma agente literária, a Mia Roman, da Roman Lit, e posso dizer que ela vem fazendo um trabalho lindo e que é muito bom ter uma parceira nesse caminho tão difícil da escrita.
Panorama da Escrita: Apesar do mito de que literatura não dá dinheiro, vemos muitos autores infantojuvenis com uma ótima renda. Quais outros caminhos você acredita que um autor pode seguir para obter ganhos financeiros?
Natalie Gerhardt: Viver de escrita e viver de literatura são coisa diferentes. Posso dizer, por exemplo, que eu vivo de literatura há muito tempo, já que atuo no mercado editorial há mais de 25 anos como editora e tradutora. Agora viver da própria escrita é um pouco diferente.
Vou citar três aqui três autores que, até onde sei vivem de escrita, e são uma inspiração para mim: Thalita Rebouças, Raphael Montes e Leticia Wierzchowski. Mas aqui vale dizer que eles não chegaram aonde chegaram do dia para noite. A consolidação deles como autores é resultado de uma longa estrada, muitos livros publicados, muitas obras adaptadas para o audiovisual ou desenvolvidas exclusivamente para o audiovisual. É importante que nós autores vejamos que não é uma questão que envolve sorte, mais sim muito talento, muita perseverança e muito trabalho.
Infelizmente, viver de escrita e de arte no Brasil ainda é para poucos. O que posso dizer, com base nos meus mais de 25 anos de mercado editorial, é para não se romantizar o caminho. Ele é árduo, é difícil e vai exigir muito da gente, e nem todo mundo que resolver trilhá-lo vai chegar lá. Quanto a mim, eu redescobri meu amor pela escrita e estou curtindo muito essa reconexão. Espero um dia conseguir viver não só de literatura, mas também da minha escrita. Eu vou continuar trabalhando para isso. Mas só o tempo vai dizer se vou conseguir ou não.
Panorama da Escrita: Esta semana temos a feira de Paraty, um dos maiores eventos de networking para escritores no Brasil. Muita gente sai de lá com contratos assinados com editoras. Você poderia dar três dicas para os autores que querem fazer networking por lá?
Natalie Gerhardt: A Flip é uma festa literária lindíssima que conta com uma diversidade incrível de editoras tradicionais e independentes, profissionais do livro e muitos escritores. Meu principal conselho é ir com peito aberto para a experiência e para conhecer pessoas novas, livros novos e viver o momento. Se você se autopublicou, conheça bem sua história e saiba apresentá-la em duas ou três frases no máximo para se tiver a oportunidade de apresentar para alguma editora. Lembre-se de que, assim como você, várias pessoas estão tentando chegar a uma editora e pode ser cansativo ser alvo de pitchings de venda constantes.
Acima de tudo curta ao máximo.
Panorama da Escrita: Como é sua prática de escrita? Tem algum ritual? Escreve todo dia?
Natalie Gerhardt: Meu processo criativo é um pouco caótico e de muita interlocução. Eu preciso falar muito sobre o projeto antes e durante o desenvolvimento da escrita. Eu gosto de receber feedbacks. Não sou daquelas que só mostro o trabalho pronto.
Tenho a sorte de ter uma gêmea/sócia que também é escritora e me ouve muito durante meus surtos criativos. Também tenho um grupo de escritoras maravilhoso, as “adultetes”, com quem me reúno uma vez por semana para discutirmos projetos, ler trechos dos livros fazer brainstorm.
Eu também preparo uma constelação de referências sobre o assunto que quero abordar no livro e busco fontes de pesquisa. É uma fase que leio muito e faço muitas anotações em um caderno.
Uma outra parte importante do meu processo é a reescrita. Eu reescrevo muito, reviso, lapido, descarto capítulos e partes porque faço muitas experimentações, do tipo “E se em vez disso, acontecesse aquilo?” “E se eu mudar o meu narrador?” e por aí vai.
No momento estou trabalhando no meu terceiro romance. Já tenho uma parte escrita, mas dei uma parada para me dedicar ao lançamento do “Fora dos planos”.
Panorama da Escrita: Quais são seus próximos planos para sua carreira literária?
Natalie Gerhardt: O lançamento do “Fora dos planos” não estava nos meus planos, pois não sabia que eu seria finalista do Prêmio Voz, nem que as coisas aconteceriam tão rápido. Então, meu foco agora é o lançamento desse livro na Flip e depois os lançamentos no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Petrópolis, minha cidade natal e o lugar onde se passa a história da Nanda. Depois, vou continuar conciliando a tradução, a escrita e a divulgação das minhas obras já lançadas e a produção de conteúdo para o Natividade meu canal no YouTube.