ENTREVISTA

Bienal do Livro: entre emoções, desafios e oportunidades — uma conversa com um dos principais nomes do mercado livreiro brasileiro

A Bienal do Livro é mais do que um evento literário: é um encontro afetivo entre leitores, autores, editoras e livrarias. Em seus primeiros dias, já mostrou a que veio — com corredores lotados, crianças encantadas e uma energia que só o livro físico parece despertar. Em meio a esse cenário vibrante, conversamos com um dos principais representantes do setor livreiro nacional, responsável pela Livraria da Vila, para entender como ele enxerga o evento, os desafios do mercado editorial e, principalmente, o papel dos escritores nesse ecossistema.

Nesta entrevista, falamos sobre a emoção de ver crianças chegando cedo à Bienal, a formação de leitores em tempos de distrações digitais, as dificuldades enfrentadas por pequenas editoras e autores independentes, e até mesmo a figura controversa de Paulo Coelho — que, segundo nosso entrevistado, foi um autor injustamente julgado no Brasil, apesar de seu enorme sucesso internacional.

Uma conversa sincera, cheia de insights e conselhos valiosos para escritores que desejam navegar (e sobreviver) no mundo do livro

Gabriel: Como você está enxergando a Bienal do Livro este ano? Qual foi a sua avaliação desses primeiros três dias?

Samuel Seibel: Olha, de uma forma… embora esperada, sempre me emociono. Hoje, por exemplo, eu estava entrando aqui para o evento e vi, por volta das 10h20, 10h30, pessoas já com crianças, talvez até crianças de escola. Pensei: “Ah, vou levar para a escola, mas antes vou passar na Bienal.” Eu acho isso lindo! Sexta, sábado e domingo foram uma loucura, uma festa! Está maior este ano, e isso só confirma o quanto o livro atrai as pessoas. Adultos, pessoas mais velhas, crianças, jovens… principalmente os jovens. Esse fenômeno relativamente recente de jovens realmente lendo um livro físico é espetacular.

Gabriel: Hoje, quais são as maiores dificuldades que a Livraria da Vila enfrenta?

Samuel Seibel: Nós temos um desafio interminável, que é formar leitores. Nosso foco sempre foi o público infantil e infantojuvenil. Claro, os leitores de ficção também ocupam uma posição de destaque nas vendas, mas o infantil é o principal formador do leitor e precisa de continuidade ao longo da vida. O problema é que, com o tempo, as pessoas vão se interessando por outras coisas. Outro grande desafio é formar leitores que hoje não estão na cadeia de compras do livro. Estou falando de pessoas com menor poder aquisitivo. Sempre menciono essa questão na Bienal, pois ela está diretamente ligada à educação e à desigualdade. Quando falo de educação, ela está totalmente relacionada ao livro. O Ziraldo tem uma frase que precisa ser bem entendida: “Ler é mais importante do que estudar.” O que ele quer dizer com isso? Que ao ler, você desenvolve uma capacidade de aprendizado maior. Infelizmente, hoje temos muitos jovens que não conseguem compreender o enunciado de um problema – seja em português, geografia ou matemática. Como resolver algo que você não entende? A leitura ajuda demais nisso. Além disso, temos desafios do momento atual. Há uma concorrência feroz com plataformas de e-commerce que praticam uma política predatória e anticoncorrencial. Muitas vezes, os descontos são tão agressivos que ficam abaixo da margem de custo. Isso prejudica pequenos empreendedores do setor, que não conseguem competir com esses preços. Outro ponto é o impacto das novas tecnologias. Claro, sempre existiram concorrências como o rádio e a TV, mas hoje temos o celular na palma da mão. Isso afeta o consumo de livros físicos. No entanto, eventos como a Bienal nos mostram que há público, há interesse. As pessoas gostam da experiência do livro físico, de estar em uma livraria, tomar um café, pegar o livro nas mãos.

Gabriel: O nosso site é voltado para escritores. Com sua experiência no mercado, que conselho você daria para um escritor que deseja alcançar maior sucesso financeiro?

Samuel Seibel: Esse é um grande desafio, pois a quantidade de títulos lançados diariamente é enorme. Sempre há tentativas de editoras menores de colocar novos autores no mercado. No entanto, as livrarias físicas têm limitações óbvias de espaço, o que torna a distribuição mais difícil. O que eu sempre recomendo para os autores é a participação em eventos e cursos voltados à descoberta de novos talentos. O caminho é duro. Alguns escritores são descobertos ou redescobertos depois de anos. Um grande exemplo é a Carla Madeira, que lançou seu primeiro livro há mais de 15 anos, mas só recentemente foi reconhecida. O mesmo aconteceu com Itamar Vieira Junior e tantos outros. A realidade é que publicar um livro já é um desafio, mas fazer com que ele tenha visibilidade é ainda mais difícil. Se os autores tiverem ideias sobre como podemos ajudá-los nesse processo, estamos sempre abertos a ouvir.

Gabriel: Para um escritor que já tem livros publicados por uma pequena ou média editora, mas enfrenta dificuldades de distribuição, é possível colocar seu livro em uma livraria da Vila?

Samuel Seibel: Apesar das limitações físicas das livrarias, trabalhamos, sim, com pequenas editoras e precisamos fortalecer essa relação. O espaço nas livrarias geralmente já está comprometido com lançamentos e apostas de editoras maiores. No entanto, se uma editora aposta em um autor e o livro começa a ganhar visibilidade, pode se tornar viável incluí-lo no catálogo. O mercado editorial é muito imprevisível. Ninguém sabe de antemão se um livro será um sucesso ou um fracasso. Mesmo os grandes autores tiveram dificuldades no início. Há inúmeros casos de escritores que só foram reconhecidos décadas depois da morte. Por isso, para novos autores, o caminho é de persistência e estratégias para ganhar visibilidade.

Gabriel: Para finalizar, fiquei curioso com um comentário que você fez: você considera que o Paulo Coelho foi um grande injustiçado no Brasil. Poderia explicar um pouco mais sobre essa visão?

Samuel Seibel: Sim, digo isso porque, apesar de ser um fenômeno mundialmente reconhecido, Paulo Coelho ainda enfrenta críticas no Brasil. Ele se propôs a escrever para um grande público e conseguiu. O engraçado é que, muitas vezes, as pessoas não sabem que ele foi um dos principais parceiros de Raul Seixas na composição de suas músicas. Algumas letras icônicas do Raul foram escritas por ele. E quando descobrem isso, passam a respeitá-lo um pouco mais. O que acho curioso é que muitas pessoas que criticam Paulo Coelho, eu duvido que tenham realmente lido seus livros. É uma crítica sem fundamento. Ele foi um autor que encontrou sua voz, construiu uma carreira sólida e levou a literatura brasileira para o mundo. Isso, por si só, já merece reconhecimento.

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